13 de jul. de 2014

MINHA VIDA, MINHA ARTE

Toda longa caminhada, começa com um pequeno passo. Começo este meu despretensioso texto, com o proverbio que retrata bem a minha, a sua, e a de muitos outros praticantes de artes marciais, que precisam dedicar-se a arte sem deixar de lado suas obrigações sociais como família, amigos, estudos, trabalho etc.

Um dia, um jovem esteve com sua esposa em uma escola de bairro para acompanhar uma reunião acerca da formatura de sua filha (formatura do ABC), ao término da reunião, já na caída da noite, ao sair da pequena sala em direção ao portão de saída, deparou-se com um pequeno homem ainda solitário, armando um tatame emborrachado em toda extensão do salão central da escola, que possuia alguns metros quadrados. Surpreso, pois não havia percebido a presença daquele homem, brincou com a esposa dizendo que teria que tirar as sandálias para pisar no tatame, ao que o homem devolveu dizendo que não haveria problema em pisar de sandália. Pudemos observar que ele trajava vestimenta branca, uma calça e uma camiseta.

Para todos ali, aquela sena não teve qualquer significado, mas para este jovem havia um propósito naquele dia, naquele local, naquele horário, pois jamais esteve na escola de sua filha neste horário, nunca tivera ido para uma reunião escolar dos pais. Acontece que este jovem tem um passado ligado as artes marciais, ele sabia que ali seria praticado alguma modalidade, como há muito tempo não tinha mais ligação com as artes marciais, não sabia dizer qual seria ali realizada, era dezembro de 2010.

No passado, ele ainda criança, sempre gostou dos filmes de luta, quando era pré-adolescente juntava dinheiro com seu único amigo que tinha vídeo cassete, para locar fitas de artes marciais, quase sempre de kung fu. Assistir aqueles filmes era o mais próximo que podia chegar de uma arte marcial, acreditava em cada movimento coreografado, em cada princípio ou filosofia que era transmitida nos filmes, enquanto os outros colegas se ligavam na ação, ele prestava atenção na lição, pois cada filme trazia uma mensagem para ele de como era o mundo das artes marciais.

Ao tornar-se adolescente, as artes marciais estavam mais popularizadas, já estavam em algumas escolas mais abastadas, principalmente o judo e o karate, mas o máximo que podia, era observar alguns treinos em academias abertas por algum tempo, pois os professores logo pediam para sair em decorrência do barulho que atrapalhava o treino. Fazer parte de uma arte marcial seria praticamente impossível, acredito que beirávamos 1992 ou 1994, mesmo que minha família pudesse pagar uma mensalidade de qualquer arte marcial, não poderia adquirir a roupa de treino, obrigatório para quem entrasse em uma academia. O fato é que jamais pediria a minha família para pagar uma academia de artes marciais para mim, além de ouvir um não, sabia que havia gastos mais essenciais para uma família sustentada apenas por um homem, com as vezes 8 membros na família.

O adolescente cresceu, idolatrando Bruce Lee, Chock Noris, Van Dame, Daniel San, entre vários outros, pois era o mais próxima das artes marciais que podia chegar. Junto com o crescimento veio as responsabilidades como membro de uma família humilde, os estudos juntamente com o início da vida profissional renderam-lhe condições financeiras para ser independente, mas lhe tiraram o essencial de quem pretende ser praticante de qualquer arte marcial, tempo para praticar. Os horários eram incompatíveis com quem trabalhava pela manhã, estagiava a tarde e estudava a noite. O tempo passou e as artes marciais foram ficando apenas no coração, calado e entregue as surpresas da vida, ele perdeu sua referência familiar, seu tio e sua avó, que lhe criaram e educaram para o bem, mas seguiu em diante, sempre preservando os princípios ensinados e a vontade adormecida de sentir pessoalmente todos aqueles ensinamentos que assistiu tantas vezes nas telas de uma tv. Agora já podia locar um DVD (foi-se os vídeos cassetes de 4 cabeças) sozinho, já tinha um dvd em casa, uma boa tv de 21 polegadas, mas faltava ainda voltar sua atenção para o sentimento adormecido de praticar artes marciais. Aprendeu a admirar e respeitar todas as artes marciais, sabe que tudo nasci de uma dedicação, alguém dedicou sua vida para desenvolver um método de auto defesa para garantir sua sobrevivência diante de uma opressão. É assim que até hoje ele vê as artes marciais.

Bem, fica fácil entender agora, porque aquele momento na escola foi tão importante e diferente para todos que ali estavam. Mas, nesse momento muitos alunos já haviam chegado para o treino e o pequeno homem agora estava concluindo sua vestimenta, o jovem (agora com 29 anos) estava na sala da diretoria da escola, resolvendo pendências financeiras com sua esposa, não viu toda movimentação dos praticantes chegando, quando repentinamente ouviu os gritos (que hoje sabe serem Ki hab) dos praticantes, então sentiu toda aquela mesma emoção e sentimento que lhe tomavam conta quando assistia um filme de artes marciais, ali, pertinho dele, ao vivo, e então pensou: já é hora, agora eu posso, porque tanto tempo fiquei sem perceber que já podia praticar qualquer arte marcial que quisesse, bastava querer. Então pediu licença, deixou sua esposa resolvendo com a diretora e saiu da sala para ver o que ocorria, a sala ficava bem abaixo do salão onde os treinos se realizavam, deparou-se com vários alunos correndo, chutando, gritando, ao som de comandos daquele pequeno homem gentio que minutos atrás montava solitário o palco para os artistas marciais, este homem se destacava dos demais, pois vestia uma camisa preta com listras amarelas, enquanto os demais vestiam todos roupas brancas completas, alguns com golas pretas, tanto tempo sem pensar em arte marcial lhe deixou ignorante a ponto de não saber que arte era aquela. Aproveitou um momento de pausa e chamou aquele que parecia ser o líder, pois dava as ordens de treino, ao se aproximar o pequeno homem se apresenta como Reginaldo, pensei por um momento que tinha ouvido meu nome, perguntei-lhe sobre os treinos e o valor, nunca vi academia mais barata, nem me recordo o preço. Decidiu começar, pois queria finalmente fazer parte de uma arte marcial. Na infância, ainda chegou a treinar capoeira, pois por não ser considerada uma arte marcial, não era ensinada em academias, mas em quintais, ruas ou praças, no entanto teve que desistir, pois quase sempre quem ensinava precisava de uma contribuição para se dedicar, e ele nem isso podia na época. Agora já era oficialmente aluno da turma do Mestre Reginaldo, era um praticante de Taekwondo.

Primeiro dia de aula, camisa branca, calça preta folgada, não tinha ainda o Dobok, nem sabia onde comprar. Para não esperar mais, pediu emprestado um dinheiro ao padastro e comprou (com recomendação do Mestre) seu primeiro Dobok, Atama, que viria a ser sua marca predileta para vestimentas e faixas. Ao comando do Mestre Reginaldo, mal sabia fazer Apkubi, no primeiro Saju Dirigui não sabia como recuar a perna de trás, e teve que ser ensinado pelo seu Mestre, que pacientemente com as próprias mãos, alocou as pernas do iniciante em seu devido lugar. Daí para frente, surgiu uma amizade de dedicação e respeito entre Mestre e Aluno, assim como sempre o jovem viu nos filmes e filosofia das artes marciais, o Mestre é o guia, o Pai, que orienta e se dedica ao ensino do que aprendeu, assim tem sido.

Hoje, passou por 7 exames de faixa, alguns campeonatos de Poonse (técnica que leva muito a sério) e talvez hoje redija esse humilde texto como candidato a faixa preta, exame realizado recentemente. Para aqueles que acompanharam, não foi fácil a caminhada, no meio do caminha veio a faculdade, e novamente a compreensão de quem se propõe a ser Mestre, não abandona seu aluno simplesmente porque ele não pode mais treinar regularmente, passou a treinar com os professores quinzenalmente, treino pesado, mais exigente e de maior responsabilidade. Várias foram as brigas conjugais por conta de minha dedicação a esta arte, a falta de compreensão do tempo dedicado, fazer parte de uma academia vai além da prática de técnicas, pois torna-se uma família e junto com ela vêm os problemas, que também são seus.

Este jovem continua com dificuldades, o que lhe impediu de iniciar os treinos de artes marciais no passado, hoje vai sendo quebrado, superado, com dificuldade, amizade dos companheiros, dedicação do Mestre, e muito, muito esforço. Cada momento de tempo que pode, dedica ao treino e aos estudos da parte histórica e filosófica, pois trata-se de uma arte milenar, vinda de outra cultura, que exige dos praticantes mais do que desferir golpes com perfeição, mas absorver e compreender a razão da existência destes golpes, livros, internet, testemunho de praticantes antigos, seu próprio Mestre, são fontes de conhecimento que ele aproveita para dedicar-se por inteiro ao Taekwondo. Para quem começou sem saber o que era Ap Chagui, hoje conhece fatos e técnicas que muitos deixam a desejar, mas o caminho continua, ele segue em direção a primeira graduação de DAN, para começar novamente uma subida nos degraus que conduzem ao amadurecimento, guiado por um Mestre que assim como ele, acredita na essência da arte marcial, e no laço que une um Mestre a seu Discípulo, assim tem sido.

Para os que ainda não saibam quem vos fala, sou Rerivaldo, praticante de Taekwondo e dedicado a uma causa ainda maior que a própria arte marcial, a seriedade que se deve ter quando se pratica uma arte marcial, e todos que fazemos a Associação Nordestina de Taekwondo sabemos que esse é o objetivo que nosso Mestre persegue, formar o cidadão, antes do atleta.

Nesse caminho, devo muitos agradecimentos, pois sou consciente que ninguém chega onde cheguei sem a colaboração que vai além do Mestre, professores e alunos foram meus guias, mostrando-me o que fazer e o que não fazer dentro do Taekwondo, não citarei nomes pois seriam muitos, pois todos são observados por mim, assim é minha forma de aprender, na vida e na arte. Por isso, meu sincero muito obrigado, a todos que contribuíram com minha formação nesta arte, positiva e negativamente, pois é assim que crescemos a cada dia.

Gan Sa Hamnida !

Rerivaldo Amarantes
Diretor de Secretaria
Associação Nordestina de Taekwondo

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